"Muitos planos directores municipais não passam de bolsas de terreno"
Paulo Morais, mais uma vez, não foge às perguntas polémicas. Vale bem a pena ler e esperar pelas reacções...
Quando é que soube, como soube e quem é que lhe disse que não seria reconduzido na Câmara Municipal do Porto? Foi apanhado de surpresa?
Não, nada. Sabe que a política em Portugal está preparada para pessoas que fazem da política a sua carreira, para os profissionais da política. Está preparada para pessoas dependentes do sistema, está preparada para todos os que dependem desta lógica que hoje temos de poder muito assente em dois partidos: PSD e PS, e sobretudo não tanto nos partidos mas nas suas classes dirigentes. Essas classes habituaram-se a criar uma organização de assalto ao poder, em boa verdade, e encontrar mecanismos de se eternizar no poder. Este sistema não está preparado para mentes livres e independentes. Este sistema acaba por rejeitar todos os que ocupam cargos públicos numa postura independente, portanto não houve da minha parte qualquer tipo de surpresa. Foi numa conversa com o Presidente da Câmara e com o partido que se chegou à conclusão que não era possível eu continuar na autarquia.
Nem ficou zangado com Rui Rio?
Não, não fiquei zangado, e sobre essa matéria eu fiz um voto de silêncio, e penso que o silêncio é também uma forma de expressão.
Como encontrou o pelouro do urbanismo quando lho foi ter às mãos?
Eu fiquei com o pelouro do urbanismo já a menos de um ano do final do mandato. Houve necessidade de fazer uma remodelação no governo da câmara, pela saída do arquitecto Ricardo Figueiredo, de quem sou amigo há muitos anos, mas ele saiu e havia que reformular o executivo. O Presidente pediu para que eu ficasse com o pelouro, eu aceitei, e foi mais uma missão de algum sacrifício, porque no fundo acabei por ter quase todos os pelouros da autarquia. Tinha a habitação, a acção social, a mobilidade, o urbanismo…, como é sabido eu não sou de virar a cara à luta, estou sempre disponível nos bons e nos maus momentos para enfrentar os desafios. Não obstante o grande esforço que tinha vindo a ser feito pelo meu antecessor, de facto eu encontrei o urbanismo, nomeadamente na área do licenciamento, numa situação difícil. Tinha sido feito um grande plano de ordenamento, o PDM estava pronto mas ao nível do licenciamento e ao nível da fiscalização a situação era de facto difícil. Quando eu chego ao pelouro nem se sabia quantos processos estavam em tramitação. Posso dizer que eram cinco mil e quinhentos os processos atrasados no licenciamento da autarquia. Conseguimos reduzir esta pendência a cerca de mais de metade, através da reestruturação total dos serviços. Aliás havia necessidade de colocar alguma ordem porque eu quando fui para lá os promotores, os próprios técnicos dos promotores imobiliários conseguiam entrar nos serviços de uma forma quase livre, o que era absolutamente inadmissível. Coloquei alguma ordem naquela casa, porque o urbanismo não pertence a ninguém, não pertence a quem lá trabalha e muito menos aos agentes imobiliários que não podem dispor da direcção do urbanismo como se fosse a casa deles. Tive de criar um sistema de entradas e saídas com cartões, com outra segurança porque o urbanismo da Câmara Municipal do Porto pertence ao povo do Porto e quem deve tomar conta daquilo é o vereador do urbanismo, e é assim que eu entendo, e foi nesta perspectiva que se iniciou um processo de reestruturação ao nível do planeamento, que já vinha de trás, e também ao nível do licenciamento tinha que se criar uma máquina de análises de processos que fosse rápida, justa, transparente e com critérios claros.
Foi aí que se apercebeu dos grupos de pressão e da corrupção?
Infelizmente esse para mim não era um assunto novo. Os portugueses já estão habituados a lidar com a corrupção na área do urbanismo há muitos anos. Eu também tinha conhecimento desses factos.
São os alegados «tabuleiros de Xadrês» espalhados pelas casas de muitos políticos?
Exactamente. E se fossem só tabuleiros de Xadrez não estaríamos mal. O problema é que estamos a falar de milhões de contos. Penso que durante a minha passagem pelo pelouro do urbanismo terei chumbado, impedido negociatas e vigarices na ordem dos quinhentos e cinquenta milhões de euros. Estamos a falar de muito dinheiro. Seriam vigarices que se teriam concretizado, e quando estão em jogo negócios desta ordem, então as forças organizam-se de forma a tomarem por dentro os partidos para terem um poder que lhes permita dominar a administração em benefício próprio. Sejamos mais claros: muitos promotores imobiliários financiam a vida politica e partidária para que depois os políticos, financiados por eles, e que estão no aparelho de Estado, na Administração Central ou local, façam a gestão pública não em função do interesse da população mas em função do interesse de quem os sustenta, como bom dever de gratidão.
Os concursos públicos são para «inglês ver»?
Muitas das vezes, mas isso nem sequer é o mais grave. O pior é a má gestão urbanística que hoje está no cerne de muitos defeitos da nossa democracia. Quando eu posso aprovar um prédio de seis andares, mas se de forma ilegítima e sem respeito pelo planeamento aprovar um de dez estou a transferir para a mão de privados algo que é público e uns larguíssimos milhões de contos. Quando isto se faz, os cidadãos raramente se apercebem porque o projecto é aprovado «hoje» e a construção só se verifica passados quatro anos. O que quer dizer que quando os cidadãos se apercebem da vigarice que foi feita já é tarde demais, porque depois há os direitos adquiridos.
É por causa desse tipo de coisa que os planos directores municipais (PDM’s) às vezes andam anos atrasados…
E muitos planos directores municipais não passam de bolsas de terreno que são elaborados em função de quem é o proprietário dos terrenos. E isto é justo? É justo que se faça o planeamento do país em função de interesses privados? É evidente, que quando estes interesses são assumidos como interesse colectivo faz-se o que se quer, e muitas das vezes na administração o que se faz, ilegitimamente, passa a legítimo, com bons gabinetes de advogados. Naturalmente que tudo é muito bem formatado, muito bem embrulhado. É assumido como público um interesse que afinal não é mais do que privado. E hoje na área do urbanismo há uma aliança perversa entre promotores imobiliários, alguns arquitectos de uma pseudo-esquerda e que por serem de uma pseudo-esquerda vêm branquear projectos imobiliários que são autênticas aberrações, e escritórios de advogados. E é esse tripé que manda hoje, como sempre mandou neste país. Alguns arquitectos que vêm tentar limpar a face do negócio e escritórios de advogados que conseguem formatar juridicamente todos estes embrulhos, isto é uma «santa aliança perversa».
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