domingo, novembro 27, 2005

O fuso horário

Para quem não leu o artigo de opinião de Jorge Fiel no Expresso da semana passada:

-------

ACABO de confirmar uma coisa de que já desconfiava há muito tempo - Porto e Lisboa regem-se por diferentes fusos horários.
Emigrado em Lisboa há dois anos, estabeleci uma rotina para as minhas deslocações pendulares semanais entre as duas cidades.
Todas as segundas-feiras embarco às 7h20, nas Devesas, no Alfa 122 (2º classe, lugar no sentido na marcha).
Todas as sextas regresso ao Porto, embarcando às 17h04 na Gare do Oriente no Alfa 133.
A necessidade excepcional de estar no Porto por volta das nove da manhã de ontem, obrigou-me a alterar a rotina.
Na consulta aos horários dos comboios encontrei as primeiras provas da existência de um fuso horário diferente a servir as duas principais cidades do nosso país. O primeiro comboio de Lisboa para o Porto parte às 7h04 do Oriente. O primeiro comboio do Porto para Lisboa sai de Campanhã às 6h15, ou seja, cerca de uma hora antes.
Resignei-me a marcar lugar para o último Alfa da noite de quinta. Mas não resisti a uma investigação mais aprofundada da questão. A prova dos nove chegou-me num telefonema para a Portugália. O primeiro voo da manhã de Lisboa para o Porto é às sete. O primeiro avião da manhã para Lisboa descola às seis de Pedras Rubras.
Esta diferença de uma hora entre a primeira ligação diária dos transportes públicos entre Porto e Lisboa é apenas aparente. Na verdade, os primeiros comboios e aviões partem de Lisboa e Porto ao mesmo tempo. Só que às seis da manhã no Porto já são sete em Lisboa. Esta foi a minha grande descoberta da semana.
Há uma hora de diferença (pelo menos) no ritmo de vida das duas cidades que, por um motivo que me escapa, teima em não se reflectir nos relógios e na hora oficial.
O OE 2006 é «o orçamento do apertão», que maximiza as receitas fiscais, comprime as despesas e reduz o investimento. Mas na espuma da discussão, os partidos e comentadores negligenciaram a questão que nunca esquecem nas noites eleitorais - a de saber quem ganha e quem perde.
O PIDDAC, sigla-palavrão que designa os investimentos da administração central no desenvolvimento, levou um apertão de 30%, mas nestas coisas de apertões há sempre uns que são mais apertados do que os outros.
Pondo a lente de aumentar nos números pequenos do PIDDAC (que se manteve estranhamente de fora da ribalta do debate orçamental) vemos que o Norte, apesar de ter sido a região mais fustigada pela recessão, é quem mais sofre.
As verbas destinadas à Região Norte caem 46% entre 2005 e 2006 - seguida do Algarve (quebra de 34%), do Alentejo (31%) e de Lisboa (30%). E faz com que o Norte passe a registar a mais baixa capitação de despesa com investimento público (258 euros).
Nesta semana em que Mário Lino, o «apparatchik» de Sócrates, lançou uma ofensiva demagógica sobre os gastos do Metro do Porto, será bom lembrar como é que o Governo socialista distribuiu o nosso dinheiro (a título de indemnizações compensatórias) pelas empresas de transportes públicos do Porto e de Lisboa.
A Carris de Lisboa recebe 42,5 milhões de euros, ou seja quase o triplo que a STCP (15,2 milhões). Não consta que Lisboa tenha o triplo de habitantes e passageiros de autocarros que o Porto.
O Metro de Lisboa recebe 21,3 milhões de euros, dez vezes mais que os 2,3 milhões atribuídos ao Metro do Porto.
E a Soflusa e Transtejo, as duas empresas que operam barcos no Tejo, vão receber nove milhões de euros - quatro vezes mais que o Metro do Porto.
Os números não mentem. Porto e Lisboa estão separados por um fuso horário invisível mas também por dois pesos e duas medidas- bem visíveis, à vista desarmada.
Para Sócrates, há uma filha e um enteado.

Sem comentários: